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Poluição de manhã cedo

[Crônica de 20 de setembro de 1999]

Nada é mais impressionante, nem mais belo, do que a linha da cidade vista por quem vem pela ponte da Cidade Universitária, às sete horas da manhã de um dia bonito de começo de setembro.

Cenário de sonho, ou de pesadelo, os prédios surgem do meio de uma nuvem dourada que desce do céu como Zeus visitando sua amada, trancada por ordem do pai.

A nuvem cobre tudo. Desde o horizonte até as águas escuras e sujas do rio Pinheiros, ela se espalha intransponível, sólida como a cota de malha trançada com fios de ouro de algum rei mitológico.

Toda distância fica curta, todo cenário se reduz, e o mundo se transforma no palco de um teatro de arena improvisado numa praça de cidade do interior, onde a companhia fica grande demais para o espaço que lhe foi reservado.

Os carros e caminhões cruzando a ponte são o parâmetro real, o mundo com cara de mundo, na loucura dos motoristas que aceleram para andar 25 metros e quase parar, atrás de um caminhão fumegante que padece para subir a rampa da ponte e tentar alcançar a alça para a marginal.

Como uma mosca que revoa um prato de bolo tapado por uma peneira, um ou outro motoqueiro passa zunindo pelo meio dos carros, quase ficando pendurado nos ganchos das carrocerias dos caminhões.

Em baixo, o rio se arrasta escuro, completando com seu jeito de piche quente o quadro terrível.

E o desenho ultrapassa em muito a ideia mais louca de Bosch, ou os traços de Dalí. A realidade consegue ser mais delirante do que o delírio, mais dramática do que a imaginação, confirmando que nos dias de hoje a arte imita a vida, porque a vida cortou as amarras do razoável e se atirou de ponta cabeça na aventura alucinada de tentar descobrir como será o mundo depois, fim do mundo. 

A nós resta olhar, sentir medo, e rezar… rezar para que a chuva e os ventos venham destruir o sonho ruim pintado de dourado, brilhando bem diante dos nossos olhos.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.