Kamikaze

O motoqueiro descia a Avenida Rebouças desembestado. A Avenida Rebouças é meio que uma corrida de obstáculos ou uma pista de skate para motoqueiros desembestados. Ela serve como pista de teste para toda sorte de loucuras, desde desafiar ônibus em seus corredores, arrancar espelhos retrovisores dos carros parados e ameaçar ciclistas em sua faixa especial.

O motoqueiro da crônica vinha desembestado pela faixa dos ciclistas. Poderia estar fazendo a mesma coisa do outro lado, na faixa dos ônibus, mais larga e mais segura, mas não, ele estava na faixa dos ciclistas e sem nenhuma intenção de sair dela, fosse pela razão que fosse, muito menos por causa de um ciclista pedalando.

Foi isso mesmo que aconteceu. O motoqueiro viu o ciclista na faixa de ciclista, pedalando na sua frente, e não se deu por achado. Meteu o dedo no botão de sua buzina esganiçada e seguiu em frente como se o mundo acabasse em barranco para ele sair de cena encostado.

Acontece que o ciclista era teimoso e tinha consciência de seu direito de estar na faixa de ciclistas e por isso resolveu não dar caminho para o motoqueiro. Afinal, ele estava certo e o motoqueiro errado. Então o motoqueiro que saísse da faixa de ciclistas e fosse para a faixa de automóveis, que era onde ele deveria estar.

Só que o motoqueiro também tinha certeza de seu direito e, mais, que seu direito era estar onde quisesse, do jeito que quisesse e os outros que se danassem.

Seguiu em frente, buzinando para o ciclista sair da sua frente. Por alguma razão não explicada, o anjo da guarda do ciclista acordou e entrou em cena. Fez o ciclista pensar um minuto e ele concluiu que não valia a pena encarar a parada. Parou, subiu na calçada e deixou o motoqueiro passar. Mais uma vez, o caos triunfou.

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