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O desaparecimento dos engraxates

Durante décadas, eles foram a marca registrada de bom número de praças da cidade. Mas estarem nelas não era aleatório. Era preciso ter demanda, clientela para o serviço, público e licença da prefeitura para os interessados ganharem seus cobres e tocarem a vida.

Os engraxates estavam em locais como Praça D. José Gaspar, Largo do Ouvidor, Praça Antonio Prado, República, Largo do Arouche etc.

Se espalhavam por São Paulo, muitas vezes, dezenas deles, um ao lado do outro, confinados num espaço relativamente pequeno, limitado pela área em que colocavam suas cadeiras.

A concorrência era acirrada e a qualidade do serviço fazia a diferença. Quem conhecia o pedaço sabia quem era o bom, o não tão bom e o ruim. Os que não frequentavam a área se sentavam em qualquer cadeira e deixavam o escolhido fazer o serviço, que variava bastante de engraxate para engraxate.

Durante muitos anos, eles foram parte do cartão postal de cada pedaço da cidade. Durante décadas, saíram nas fotos, dando vida para a cidade. Como os compradores de ouro e outros plaqueiros, davam cor ao entorno, muitas vezes cinza, algumas vezes no meio dos jardins, mas sempre com a cadeira alta e o engraxate sentado num banquinho na sua frente.

Engraxar os sapatos tinha algo de lúdico, de relaxante, de rotina para quebrar o stress da correria alucinada. Além disso, os bons engraxates tinham histórias maravilhosas, que eles contavam aos clientes, enquanto engraxavam em ritmo de batucada. Cada um com sua técnica apurada que deixava os sapatos mais brilhantes.

Andar pela cidade nos dias de hoje perdeu parte da graça. Os engraxates não estão mais nas praças do centro. Quando estão, são um ou dois. Com as cadeiras vazias, tristes como um estádio sem torcida.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.