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O vulto na janela

À distância, a janela do prédio, ainda com a luz apagada, no lusco fusco do fim do dia, não me permite identificar de quem é o vulto recortado mais escuro, que se sobressai contra o fundo escuro do apartamento no escuro.

Da praia, ainda iluminada pelo resto de sol que morre no fundo das Astúrias, o vulto é apenas um vulto. Um corpo humano que se sobressai escuro diante do fundo mais escuro do apartamento com a luzes apagadas.

Me é fácil pensar que é um vulto de mulher. Poderia pensar que é um homem, mas não, o pensamento que me vem é que o vulto é uma mulher procurando ver algum sinal no céu que escurece à sua frente.

Quem sabe uma mensagem dos deuses, um aviso de que o fim do mundo está
perto é que é chegada a hora de se arrepender de seus pecados.

Não sei, não tenho certeza, quem sabe ela – aceitando-se que seja ela – esteja apenas procurando o filho que disse que iria brincar na praia.

Quem sabe busque um sinal da lua que ela nunca irá ver, porque nasce por detrás de seu prédio. Ou ainda pode ser que não seja nada. Que ela não procure nada, nem olhe para fora, mas esteja tão somente apoiada na janela, pensando na vida, sentindo a frescura da brisa que sopra espantando o calor infernal que fez durante todo o dia.

Não sei…tudo pode ser…

Pode ser que ela seja um homem; pode ser que seja uma criança; pode ser que seja um boneco…

De longe, andando na praia, o vulto chamou minha atenção. Não houve sequer uma razão para que eu olhasse para ele. Nenhum grito, nenhum ruído mais forte, nada.

Aliás, nem sei como fui descobri-lo, recortado um pouco mais escuro, na frente do fundo escuro da janela do apartamento apagado, perdido entre centenas de outros apartamentos também apagados.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.