Do outro lado das grades
Do outro lado da janela, para lá das grades, o verde se espalha, balançando nas tiras pesadas das folhas das palmeiras, nas folhas pequenas do alecrim, no muro, coberto de hera.
Enquanto aqui, do lado dentro, a luz é fraca, barrada pela grade de ferro que protege a janela, do outro lado, do lado de fora, o dia explode em sol, e azul, e verde.
Fico deitado na cama, vendo a explosão, ou melhor, sentindo a explosão me chamar, para participar de seus mistérios, e ter o corpo aquecido pelos raios do sol, e a alma aquecida pelo calor do sol, e pelo cheiro das flores, misturado ao cheiro da terra, ainda molhada pela chuva forte que caiu de noite.
Me levanto e olho o jardim pelo meio das grades que me separam dele. As folhas das três palmeiras grandes balançam lentamente, embaladas pelo pio desafiador de um bem-te-vi pousado em alguma árvore próxima. A touceira de palmeiras menores, protegida pela casa e pelo muro, mal e mal mexe uma tira de suas folhas, como serpentinas caídas depois de um baile já sem ninguém.
A vida quer entrar pela janela aberta, mas esbarra na grades que fazem que vida se reparta em duas, uma dentro e outra fora, que mesmo assim tentam se juntar, como se pudessem superar as barras da grade que fecha a janela para os ladrões e para a vida que pulsa na manhã de verão.
A vontade é arrancar todas as grades que separam a vida em todas as janelas. Que sentido tem as janelas serem enormes se entre o dentro e o fora estão as grades que protegem a casa e a isolam?
Por que o dia lindo só pode chegar até mim na forma do perfume que invade o quarto e na luz fraca que o ilumina, enquanto as folhas das palmeiras me falam dos segredos que a brisa divide com elas?
Minha vontade é serrar as barras. Corta-las como um prisioneiro de romance de capa e espada, e descer por uma corda de lençóis, e correr pelo jardim, de um muro ao outro, dividindo a minha liberdade com a liberdade do bem-te-vi e os meus segredos com a brisa que fala para as palmeiras de viagens estranhas, por terras diferentes, onde as grades não fecham as janelas, nem o medo fecha as almas.
No entanto, desço pela escada e abro a porta e saio por ela, para pegar minha bicicleta, e, só então, dividir com a vida o esplendor do dia.
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