A sósia
[Crônica do dia 3 de abril de 1997]
Numa noite desta, eu saí para jantar fora com um grande amigo meu. Homem superiormente inteligente e extremamente íntegro consigo mesmo, conversar com ele é um prazer. Assim, quando é possível, dentro da loucura que é a vida na cidade de São Paulo, nós nos encontramos, invariavelmente para falar um pouco sobre negócios, e muito sobre nada.
A boa e velha arte de jogar conversa fora, falando com enorme franqueza sobre a vida e suas possibilidades e sem seriedade nenhuma, sobre as coisas boas que fazem a arte de viver bem ser realmente uma arte.
Pois nós estávamos num dos restaurantes da moda, bebendo um uísque antes de pedirmos o jantar, quando uma das muitas estralas globais sentou-se na mesa ao nosso lado. Que ela era ela era evidente, e que nenhum de nós a conhecia pessoalmente também. Mas o seu acompanhante eu conhecia e ele também me conhecia, tanto que ficamos um bom tempo naquela estória de um olhar para o outro, com cara de quem se conhece, mas não se lembra de onde.
Confesso que este tipo de situação me deixa sem graça, por isso eu acho mais fácil dizer para o outro que ele me desculpe, que eu sei que que o conheço, mas que eu não me lembro de onde. E foi o que eu fiz, tomando muito cuidado para deixar claro para a diva tupiniquim que eu não queria autógrafo, nem incomoda-la.
Antes que eu acabasse de falar, ela respondeu entre o irônico e o antipático, precisa-se dizer que com certa simpatia, que ela não era ela, que ela era uma sósia, e que seu amigo também não era ele, que ele também era um sósia.
Foi neste momento que o meu amigo entrou na conversa, diga-se de passagem curta, e que derivou para as possibilidades do sósia.
Imagine um sósia sem talento nenhum substituindo a pessoa famosa!
Minha primeira lembrança foi Charles Chaplin no filme o grande ditador. Depois eu me lembrei que dizem que Sadam Hussein tem sósias que o substituem nas situações perigosas. E finalmente me veio à cabeça cenas dum filme do Kurosawa, chamado a sombra do guerreiro.
Mas a sósia não era sósia e seu amigo, que eu conheço faz tempo, também era ele. Como os dois por razões que eu desconheço – mas que devem ser seríssimas – estavam anônimos, eu deixo de dizer seus nomes, mesmo a noite tendo acabado de forma muito simpática.
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