Os efeitos da crise
[Crônica do dia 23 de abril de 1998]
Digam o que disserem, os efeitos da crise de emprego que assola o Brasil têm sido de uma crueldade ímpar, que vai afetando diretamente a vida do país, ou, pelo menos, de parte dele.
A crise de emprego não é só consequência do governo Fernando Henrique. Aliás, muito menos do que consequência dele, ela é o resultado do reingresso do Brasil no mundo, que gerou uma ‘serie de ações destinadas a nos dar a competitividade e a qualidade, indispensáveis para termos alguma chance, dentro de uma economia cada vez mais globalizada e que produz com técnicas novas, que necessitam cada vez mais de menos mão de obra.
Na peça “Caixa 2”, Juca de Oliveira, ao discutir com um assessor a necessidade de despedir funcionários, pergunta, fazendo graça, por que o sindicato não vai brigar com o Bill Gates, porque sem a Microsoft e seus programas, ele não teria que despedir ninguém.
A piada é gozada e deliberadamente cruel, porque nela está toda a tragédia de uma realidade que não tem como ser modificada e que não depende de ações isoladas, mas de decisões internacionais, que ainda não foram sequer costuradas.
A crise nacional tem sua parcela de culpa pelo quadro, é verdade, mas, em relação à classe média, a automação e as fusões têm tido um impacto muito mais perverso, que faz que seja ela quem sinta na pele, da forma mais doída, o que vai acontecendo.
O retrato da crise que afeta diretamente a classe média pode ser visto nas praias do Guarujá, nos fins de semana prolongados.
É possível andar pelas suas praias e pelas suas ruas sem tropeçar numa onda de gente que ocupava mais espaço do que tinha. É possível entrar no mar sem dar trombada em ninguém.
Se por um lado é bom, por outro é triste, porque mostra uma realidade dura, que vai afetando quem não tinha nada com isto.
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