Saudades do matão
Lá tem lua cheia, jogo de truco, bocha no fim do dia e rádio tocando música caipira nas casas enfileiradas ao longo da estradinha de terra.
Lá tem galo cantando de madrugada, bezerro na cocheira e gado na invernada. Tem cavalos no pasto e gosto de antigamente nos fios de arame enferrujados marcando a divisa com o vizinho. Tem eucaliptal, tem mata de verdade, com tatu e paca escondidos.
Tem passarinhos e pássaros, sabiás, gaviões e urubus que voam alto e veem de longe a carniça do bezerro morto caída no fundo do grotão.
Lá tem sol a pino batendo nas costas da turma no cafezal, tem café nos galhos e cheiro bom de fruta secando nas carreiras do terreiro.
Tem o sino que regula a vida da fazenda. Toca de manhã, ao meio-dia e no final da tarde, dando o ritmo da vida que corre na velocidade do dia… café, almoço e janta. Tudo na sequência que marca a vida da fazenda, arrematada pelo sino da capela tocando a Ave Maria.
Lá tem o matão. Mata fechada, resto isolado da mata original que cobria a região. Mata que esconde pacas, tatus e outros bichos, como jaguatiricas – e tem quem diga que hoje tem até onça parda.
Mata no alto do morro das lembranças de todas as fazendas de antigamente, quando um trator era luxo, os arados funcionavam a tração animal e o café descia para o terreiro em grandes carroções puxados por quatro burros. Quando as cavalgadas eram a realidade dos meninos.
Mata que a gente contornava nos passeios a cavalo e depois, com mais idade, entrava para descobrir seus segredos. Tesouros do tempo dos escravos, caldeirões com moedas antigas enterrados debaixo das pedras.
E de noite, a luzinha brilhando em cima de onde enterraram o homem morto a tiros numa emboscada mal contada. Mas bom era o “Tatu Branco”, entidade que protegia a fauna e comia os canos das espingardas.
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