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O sol sob a névoa

[Crônica do dia 07 de agosto de 1997]

Tem dias que a névoa que recobre São Paulo é tão forte que o sol aparece apagado, sem brilho, não como se ele fosse o sol, mas como se ele fosse a lua cheia, chegando fora de hora.

É um cenário estranho, de ficção científica, como se uma bomba de alguma coisa houvesse explodido sobre a terra e sua nuvem tivesse recoberto o planeta com gases venenosos, que transformam os seus habitantes em enormes lagartos que se arrastam pelas ruas esburacadas.

Da ponte da cidade universitária, pegando o sol de frente, por cima dos prédios do outro lado da cidade, a impressão é ainda mais forte, ainda mais espantosa, porque fala dum cenário que não deveria existir, mas que, no entanto, está ali, bem na nossa frente, impondo-se! impondo-se, como se os livros de Ray Bradbury não contassem de marte, ou do ano 2.145, mas da terra, num pacato dia de paz, do ano de 1977.

Curioso que estando dentro da nuvem, nós só a percebemos quando a vemos de longe, escura, opaca, escondendo a maior parte da cidade atrás do seu véu sem mistério e que é só sujeira.

O triste é isto: o véu composto pela nuvem não esconde nenhuma surpresa, ele é apenas o resultado da soma da poluição num dia ruim, com a névoa que tradicionalmente sempre recobriu São Paulo, especialmente nos dias frios.
e o cenário que poderia ser poético é apenas patético. Não nos remete a nada de bom, a não ser que pingar colírio nos olhos seja algo bom.

No resto é a certeza da garganta arranhando, da boca seca, dos olhos ardendo a certeza de que a poluição vai ganhando e que somos nós que a auxiliamos.

Depois, com o passar do dia, a névoa se vai, lentamente, deixando um rabo mais demorado aqui, outro ali, até o sol reencontrar a sua cor, o seu brilho, e nós nos darmos conta que o fim da cerração não foi um milagre, mas que simplesmente o dia seguiu o seu curso, trocando o cinza da névoa pelo cinza do céu.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.