A cachoeira potencial
[Crônica do dia 4 de janeiro de 1999]
No longo rol das belezas naturais pouca coisa existe mais bonita do que uma cachoeira. A certeza dessa afirmativa encontra amparo no número de turistas que todos os anos visitam Foz do Iguaçu e seus saltos mundialmente famosos.
Da mesma forma, o seu contraponto norte americano, Niagara Falls, bate recorde em cima de recorde, com visitantes do mundo inteiro indo até lá conhecer suas quedas, menos impressionantes do que as nossas.
Mas não são só as cachoeiras imensas que apaixonam quem as vê. Pelo contrário, cachoeiras pequenas, escondidas em recantos de mata, têm o dom de despertar sentimentos intimistas muito mais intensos do que as grandes quedas d’água, que impõem a sua presença pelo seu impressionante volume.
São sensações opostas e ao mesmo tempo muito próximas, já que as duas nos colocam frente a frente com os motivos primevos que fizeram o homem descobrir o belo, em suas diferentes formas, e querer tê-lo.
As cachoeiras e os saltos libertam o lado “Tarzan” que cada um de nós traz adormecido dentro de si. Senti-las, ou mesmo vê-las, é um reencontro com uma parte perdida em algum lugar interior, de onde sai quente e próxima, como um abraço, ou o ato sexual.
Acho que foi por conta disso que a prefeitura de São Paulo mais uma vez se superou. Foi seu lado poético e naturalista que obrigou a empreiteira encarregada da reforma da ponte da Cidade Universitária a não colocar bocas de lobo ao longo de seu percurso.
Sem escoamento para as águas das chuvas que com certeza cairão sobre ela, só lhes restará escorrer ao longo do leito carroçável, espremidas pelas muretas de concreto, formando duas vertiginosas cachoeiras, uma para cada lado, que embelezarão a cidade, ainda que arrastando consigo os carros pegos de surpresa no momento da chuva.
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