Uma volta fantástica
[Crônica do dia 19 de fevereiro do 1998]
Eu fiquei um bom tempo sem ir ao teatro. Culpa minha, eu sei. Mas a vida moderna conspira para você não sair de casa, de noite. O processo é perverso e começa cedo, quando você se levanta antes da sete para deixar as filhas na escola. Depois, se estende por todo um dia cada vez mais comprido, que te devolve, mais morto do que vivo, normalmente depois da hora do jantar.
Como se não bastasse, o trânsito, as filas e as violências de todos os tipos também ajudam e te convencem que o melhor lugar do mundo é o sofá velho no qual você se larga para assistir televisão e ficar hipnotizado, sem pensar em nada, vendo algo tão sem importância que, antes de acabar, já se esqueceu.
E têm ainda os vídeos e a TV a cabo, com mais de 50 programas diferentes, a maioria tão ruim quanto o que foi feito de pior na longa história da telinha e do emburrecimento do homem.
Por conta deles, a preguiça ganha e você não sai, mesmo sabendo que está perdendo muita coisa boa e que a vida é bem mais do que simplesmente ver televisão e jantar fora.
Foi assim que perdi muita peça boa, mas – graças a Deus existe um, mas – um belo dia acabei voltando ao teatro, por conta das férias de verão e da certeza da cidade mais vazia.
Acabei aterrizando no terreiro do Juca de Oliveira, Fúlvio Stefanini e companhia, indo assistir Caixa 2. Nunca uma paixão voltou com a violência com que eu me reencontrei com o teatro.
A peça é fantástica. Quem sabe das melhores coisas que foram escritas num tipo de teatro que se consolidou ao longo do tempo e que coloca, no gênero, os autores brasileiros entre os melhores do mundo: a comédia de costumes.
Inteligente, irônica, mordaz, afiada como uma navalha, ela flui como um rio caudaloso, ligando texto, interpretação e reação do público numa simbiose maravilhosa que vale e justifica quase duas horas de gargalhadas, onde todo o mundo lava a alma, mesmo com a peça batendo forte e expondo no palco as mazelas do dia a dia.
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