Essa flor é sua

[Crônica de 14 de dezembro de 1999]

Olha, vê aquela quaresmeira ainda tão pequena e já querendo florir. Olha a força que ela faz para que sua primeira flor, ainda um botão, quase perdido entre suas poucas folhas, cresça.

É a vida recomeçando seu ciclo. É a vida impondo o seu ciclo, usando a vaidade de uma planta, ainda um arbusto, para criar uma nova flor, uma flor a mais para preservar a vida dentro do ciclo imutável que ano depois de ano faz florescer os manacás e as quaresmeiras, alegrando o verão com a explosão de suas cores.

É verdade, existem explicações mais científicas do que essa, mas que importância isso tem agora e aqui, quando só nós dois estamos vendo este botão tentando abrir, pendurado num galho fino e frágil de uma quaresmeira ainda criança? 

Que importa, pelo menos agora, se um beija flor vai polinizar a flor, numa troca antiga como o tempo que preserva as quaresmeiras e alimenta os beija-flores?

Que importa se a flor é macho ou fêmea? Agora, ela é a esperança de vitória da vida. O fôlego que se transforma em brisa e que entregará ao mundo os sentimentos mais secretos de uma pequena árvore florindo pela primeira vez.

Entende esses sentimentos. Sente no ar as vibrações que falam do mais escondido da alma da planta. Vê como ela se entrega e como ela reparte com você a magia do momento.

Para ela, humilde, com seu tronco fino e seus poucos galhos com poucas folhas, esta flor é mais rica do que a coroa mais rica, mais bela do que a rosa mais bela.

Esta flor é sua primeira flor. Seu primeiro instante onde a possibilidade de ser parte do universo existe, perpetuada na cor da primeira flor se abrindo.

Olha, vê a flor ainda semiaberta; sente sua vontade de acabar de abrir e o esforço que ela faz.

Isso sorria, porque essa flor é sua. Ela é o retrato de sal vida.