Um inverno diferente
[Crônica de 28 de agosto de 1997]
No inverno os pássaros não cantam. Quer dizer, no inverno os pássaros não deveriam cantar. Mas nem todos os invernos são efetivamente inverno e aí, os pássaros se enganam e acontece de um sabiá perder o rumo e cantar como eu estou ouvindo agora.
Pousado na palmeira em frente da minha janela, que também não sabe que é inverno e por isso tem um cacho de coquinhos vermelhos para os pássaros que a procuram e que em troca das frutas dão seu canto e nele contam os segredos das outras palmeiras, servindo de meio de comunicação para uma espécie que a natureza fez imóvel, presas sempre no mesmo lugar pelas raízes que as impedem de se mover.
Inverno com trinta graus à sombra!
Alemães, suecos, dinamarqueses e russos devem ficar alucinados, lembrando do frio estúpido que os castiga quatro meses por ano, trazendo a noite às quatro horas da tarde e junto a solidão enorme das noites passadas em claro.
Dizem que é “El Niño” dando o ar de sua graça, mudando a o clima do planeta como um aviso da natureza tentando interromper todas as loucuras com que o homem vai forçando a barra, como que querendo desafiá-la.
Seja como for, a loucura do tempo tem graça, e, sentindo o calor de verão que traz a seca, que faz azul o céu e poluído o ar; e ouvindo o sabiá cantar na palmeira do jardim, a vida fica mais quente e mais próxima, como se estivesse me abraçando, para me passar todas as coisas boas que fazem a vida boa.
Eu sei que está errado, e que este calor fora de hora vai cobrar seu preço ainda hoje, no olho ardendo no fim do dia.
Eu sei que mais pra frente o preço vai ser muito mais caro, na safra que não vai nascer e nas chuvas que uma hora ou outra se abaterão sobre a cidade, inundando e matando, com a violência das monções da índia.
Eu sei…, mas isto é depois… agora que a vida seja, radiante, como o dia fora da janela.
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