A vaca e o brejo
A vaca vai pro brejo. A única chance da vaca não ir para o brejo é o brejo ter secado, o que é perfeitamente possível nestes dias diferentes, em que a terra cobra de nós os absurdos que praticamos contra ela, ao longo de 150 anos de completa irresponsabilidade.
A vaca não vai para o brejo para ficar presa e se afogar, a vaca vai para o brejo porque quer se refrescar. O problema é que uma das consequências do calor etíope que nos assola e cobra seu preço é a alta evaporação, que tem como resultado secar brejos, lagos e lagoas, pra não falar na água encanada perdida nos incontáveis buracos que permeiam a rede pública.
A vaca está firmemente disposta a entrar no brejo para encontrar o refresco que nem os sorvetes de cajamanga são capazes de proporcionar. A vaca sabe que sua última chance, antes de secar o leite, é entrar na água, inclusive desafiando a probabilidade das sucuris.
Sucuri é cobra esperta. Fica escondida na beira da lagoa, com o rabo preso numa tranqueira, esperando a vaca ir beber água. A vaca chega, não vê a cobra que vem nadando por baixo, encostada no fundo, relaxa e, quando dá conta de si, está com a cobra presa no focinho, pronta para transformá-la em refeição.
Está tão quente que a vaca está disposta enfrentar os riscos da sucuri ou do brejo que a engole para ter dez minutos de refresco, antes de retomar a sina de cada dia num ano particularmente quente.
A nós, seres humanos, sobra pouco mais do que sobra pra vaca. Não tem o que fazer, o jogo é de gente grande e o mais bonzinho mata a mãe e coloca a culpa no pai. É verdade, no final, diz a lenda que também comemos a vaca, com mais sucesso do que as sucuris. O problema é que o jogo mudou e agora ninguém sabe qual será o final de tudo isso.
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