A garça solitária
[Crônica de 27 de julho de 2001]
São Paulo é a cidade do imprevisto, do inusitado. Aqui as coisas acontecem sem pedir licença, causando o máximo de espanto no mínimo de tempo. Tudo é possível. Até o impossível.
Assim, não poderia ser diferente com o céu da cidade. Nele também teria que acontecer o improvável, se não fosse por nada, para manter a paridade com o chão. E foi justamente no céu que eu assisti uma cena linda e inusitada.
Mais ou menos oito horas da manhã, estava em cima da ponte da Cidade Universitária, vendo a cidade amanhecer num dia típico de inverno, com o céu azul ainda encoberto por uma névoa acinzentada e os prédios no fundo do Alto de Pinheiros saindo da bruma marrom, formada pela poluição.
É bonito ver amanhecer na cidade. Se a poluição é terrível para a vida, ela ajuda na composição dos horizontes e com suas cores densas acaba deixando mais bonito um cenário que sem ela seria simplesmente indiferente.
Foi nessa hora que olhando para o lado vi um objeto voador que, dê cara, não foi identificado. Com certeza não era um avião e era pequeno demais para ser um helicóptero, mesmo dos menores.
Além disto, estava voando muito baixo, cruzando o rio no sentido USP/ Alto de Pinheiros. Branco, chamava a atenção pela majestade de seu voo, calmo, exuberante, com a rota firmemente traçada. Era uma garça. Uma única garça cruzando o céu com a beleza e a imponência que Deus lhe deu.
Confesso que vê-la mexeu comigo, mesmo àquela hora da manhã. Naquele rápido momento, em cima da ponte, seu voo, sua forma, seu branco absolutamente alvo, o pescoço recurvado e as asas batendo lentamente trouxeram beleza e alegria para um dia tinha tudo para ser apenas mais um dia.
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