A cultura vai de ônibus
[Crônica de 19 de setembro de 2003]
Pasme, eu tenho certeza de que você não sabe, mas em São Paulo, a cultura vai de ônibus. Pelo menos é o que está escrito atrás de vários ônibus que andam pela cidade e que convidam a população para viajar neles, porque é neles que é possível se ler um bom livro, enquanto se vai ou se volta de algum lugar.
Como na maior parte do tempo você fica parado, porque o trânsito não anda, até que a sugestão não é ruim. Pelo contrário é uma forma inteligente de se passar o tempo e, o que é mais importante, uma forma prazerosa, porque entre ficar parado olhando pela janela, sem nada para fazer, exceto ver o marronzinho mais próximo desesperado porque está tudo parado, e ler um bom livro, a segunda hipótese é muito melhor.
Por outro lado, na mediada que a cultura vai de ônibus, é de se admirar que ela tenha conseguido tanto, num lugar como São Paulo.
Os ônibus não são famosos pela velocidade com que atravessam a cidade. Pelo contrário, atravancam o trânsito, se arrastando lentamente, quase sempre fora da faixa deles, como se as ruas e avenidas fossem suas e não tivesse mais ninguém andando por elas.
No seu passo de cágado fumegante, poluindo o ar e roncando como rinocerontes velhos, os coletivos paulistanos são uma amostra triste de tudo que é feito errado há séculos e que condena o Brasil ser o Brasil.
Deve ser por isso que as escolas públicas paulistas têm um desempenho tão ruim, estejam instaladas dentro de latas, estejam em prédios suntuosos.
Como a cultura vai de ônibus, seu passo é lento como o dos soldados que não querem avançar, como os retirantes fugindo da seca.
Por isso a frase está certa, aqui, a cultura vai mesmo de ônibus.
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