Os sabiás de madrugada
Quando a concorrência aperta, a criatividade arruma uma saída. É preciso ser rápido, entender o ambiente e jogar com o imprevisto, com o inesperado, para dar a volta na bananeira e criar a nova realidade que muda tudo, que abre novas perspectivas e vira o jogo.
Um belo dia, um sabiá, desencantado com a concorrência e com a piação diária de centenas de sabiás cantando desembestados para atrair uma fêmea, pensou, pensou e deu com o caminho das pedras. Por que não cantar de noite? Aproveitar a iluminação da cidade e fazer de conta que ainda é dia e soltar o canto, sem concorrência, quando as outras aves estão dormindo?
No começo pode ter soado estranho, mas rapidamente as sabiás, curiosas, foram querer entender o que estava acontecendo e o cantor solitário das noites vazias se deu bem. Pode escolher a fêmea dos seus sonhos, sem rivais para competir por perto, sem preocupações com alguém chegar inesperadamente e levar a sabiá, como acontece nas músicas country americanas.
Ele começou com uma imensa vantagem. Pegos de surpresa, os outros sabiás demoraram para entender e depois para concordar que era uma grande sacada e que cantar de noite tinha uma série de vantagens na competição para conquistar a fêmea dos seus sonhos e poder acasalar.
Mas, como neste mundo quase nada se cria e tudo se copia, em pouco tempo outros sabiás aderiram à moda e começaram a piar de noite, consolidando uma moda que já tem alguns anos e que está começando de novo porque agora é a hora dos sabiás cuidarem do que importa – a perpetuação da espécie.
O curioso é que a cantoria desperta sentimentos contraditórios. Tem quem goste e quem não goste. Enfim, faz parte da vida.
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