A Catedral da Sé
[Crônica de 10 de novembro de 1999]
Quem sabe nenhuma outra igreja exprima tanto o que é São Paulo como a Catedral da cidade. Catedral gótica, construída mais de setecentos anos depois da saída de moda deste estilo, num país que nunca viu o gótico na sua época, porque foi descoberto depois, ela ainda se dá ao luxo de ter uma cúpula, o que foge completamente ao desenho clássico deste estilo arquitetônico.
Por causa disso correndo o risco de ser patética, ao contrário, ela tem uma dignidade muito grande, que dá caráter à praça da Sé, mesmo com todas as barbaridades que foram ali cometidas, quando da sua reforma anos atrás.
Perto das grandes catedrais góticas europeias, a catedral de São Paulo é de uma pobreza infinita. Querer compará-la com Notre Dame, Colônia, Alcobaça, Leon e tantas outras erguidas na época que o gótico era o estilo da moda é sem sentido. São Paulo perderá sempre.
Mas, por outro lado, se não pensarmos no seu estilo, e se esquecermos que ela é uma igreja nova construída com uma planta antiga e fora de lugar, ela se transforma, cresce, e fica uma igreja que chega a ser bela, além de digna.
Toda em pedra, cinza, com seus arcos erguendo-se como veias ou nervos unindo suas partes e dando-lhe o equilíbrio necessário para que sua cúpula em vez de ridícula, se eleve com imponência atrás de suas torres gêmeas, a catedral de São Paulo, centro religioso de uma das maiores aglomerações urbanas católicas do mundo, é muito pouca conhecida pelos moradores da cidade.
E, no entanto, entrar nela pode ser uma experiência única nos dias de hoje, se bem que, normal, na época de suas irmãs góticas verdadeiras.
Dentro da catedral de São Paulo a miséria se expõe em toda a sua crueza, feia, suja, mesquinha e perigosa, nos traficantes de droga, trombadinhas e meninos de rua que ocupam seus vãos e suas sombras, como os antigos demônios que assombravam os homens e engravidavam as mulheres com os filhos de Lúcifer.
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