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As vaquinhas do Morumbi

[Crônica antiga de 8 de agosto de 2002]

Na época do meu bisavô Pádua Salles, tinha sempre uma vaca no jardim da sua casa, na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, para que a família tomasse leite fresco todos os dias. Pelo que conta tia Quita, última filha viva do senador, o rebanho ficava num sítio que ele tinha em Santo Amaro, de onde de tempos em tempo, uma vaca era retirada, para ficar no palacete da Brigadeiro, enquanto tivesse leite.

Mas isto foi em outra época, em que morar no primeiro quarteirão da Brigadeiro Luiz Antonio, num palacete construído por Ramos de Azevedo, era fácil e ter vacas no imenso quintal, onde, depois, ele construiu as casas de vários de seus filhos, mais fácil ainda.

O inusitado é alguém criar gado em pleno Morumbi, entre uma favela e um condomínio de luxo, realçando todos os contrastes inacreditáveis que fazem de São Paulo uma cidade inacreditável.

Pode parecer incrível, mas em pleno ano eleitoral de 2002 o pernambucano Ginaldo Nunes e sua esposa, indiferentes ao sagrado direito do voto, fazem exatamente isto: criam mais de 50 cabeças de gado numa área entre uma favela e um condomínio de luxo, no meio do Morumbi.

Criar 50 vacas exige uma área relativamente grande, além de chamar a atenção de quem passa perto. Como do lado da criação fica uma favela, é espantoso as mais de 50 cabeças continuarem lá, inteiras, dando leite para o queijo e estrume para adubo.

Com apoio da Faculdade de Veterinária da USP, e instalado num terreno particular, o fazendeiro do asfalto, tem um vaqueiro e um menino da favela como ajudantes para a lida diária com as 53 vacas e bezerros que, para ele, são um bom negócio. Tão bom que, como bom fazendeiro, ele não diz quanto é que rende, mas também não abre mão. O máximo que ele conta é que a primeira vaca custou 400 reais e que hoje ele vende, na média, por 700, cada animal. 

São estes contrastes que dão cor e ainda deixam um resto de humanidade na cidade alucinada.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.