A cobra pega em flagrante
[Crônica antiga de 6 de setembro de 1998]
Não era para acontecer, mas aconteceu. Quando tudo parecia correr tão bem, eis que ela se distraiu ou deixou os cuidados de lado, e foi pega em flagrante, comprometendo toda uma operação delicadamente desenvolvida ao longo de alguns anos, destinada a avaliar as possibilidades de um ataque dos animais da mata atlântica para retomarem as terras de São Paulo.
Escondida dentro da carroceria do caminhão de frutas, chegar na Praça da Sé, ou, para ser exato, nas suas proximidades, foi fácil. Ninguém a viu ou sequer a percebeu, inclusive durante a operação de descarga.
Quando seu sucesso era favas contadas, podendo ser comemorado tão logo conseguisse se esgueirar até um jardim perto, ela bobeou e dançou, expondo a conjuração animal e alertando os seres humanos para os perigos iminentes representados pela invasão da área urbana por animais peçonhentos e de presas, com a missão de causar o máximo de pânico possível, abrindo caminho para a invasão coordenada pelo imperador dos jacarés e pelos presidentes das pacas e capivaras e dos pernilongos.
O plano encontrava-se tão avançado que os pernilongos que andavam escondidos para não chamar a atenção, começavam a voltar, invadindo as casas e apartamentos, para chupar o sangue dos moradores.
Foi a nossa sorte. Quer dizer, sorte dos habitantes de São Paulo, que, por causa da bobeada da cobra espiã, ficaram sabendo, depois de uma seção de interrogatório democrático, dos planos maquiavélicos para recuperar o solo urbano para os filhos das matas.
Fosse a cobra cipó mais esperta e a esta hora estaríamos sob o jugo inclemente do imperador dos jacarés, servindo de escravos para os animais e de almoço para todos os carnívoros moradores das florestas da serra do mar.
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