A igreja da Consolação
[Crônica de 29 de dezembro de 1999]
A igreja da Consolação, para mim, sempre foi um mistério. Desde menino que a vejo com suas pedras cinzas, como um marco, ou um padrão, dividindo São Paulo em duas zonas, a cidade, onde as pessoas trabalham, e o lado “de cá”, onde as pessoas moram.
É verdade que com o passar dos anos essa divisão perdeu muito da sua força. Em primeiro lugar porque eu também comecei a trabalhar e desvendei, ao longo desse tempo, uma parte dos mistérios que faziam do “lado de lá” alguma coisa mágica, onde só gente grande podia brincar. Em segundo, porque a dinâmica da cidade mudou os rumos de são Paulo e o centro velho, atualmente, perdeu grande parte da sua importância, substituído pela avenida Paulista, que também já não é a mesma, e que foi engolida pela Faria Lima, que já vai dividindo sua liderança com a Luiz Carlos Berrini.
Mas a igreja da Consolação continua misteriosa. Há algum tempo, vendo uma fotografia, descobri uma cheflera nascendo no alto da sua torre, e isso só fez com que ela ficasse mais misteriosa ainda. Afinal, não é normal as chefleras crescerem nas torres das igrejas.
A igreja da Consolação é escura por fora e por dentro. Como se seu interior fosse contaminado pelo cinza das suas pedras, ele é opaco e denso, sombreado pela pouca luz que filtra por suas janelas pequenas.
Isto não quer dizer que seja uma igreja feia. Pelo contrário, a igreja da Consolação, mesmo não sendo um paradigma da arquitetura religiosa, é uma igreja bonita, e mais do que bonita, erguida toda em pedra, é uma igreja com imenso caráter. Caráter que a mantém integra, ainda que cercada pelo monstrengo em que transformaram a praça Roosevelt.
Toda de pedra, no lado principal da praça de concreto, cercada por avenidas sujas e com trânsito intenso, hoje, ela seria uma igreja triste, não fosse um pássaro deixar uma semente de cheflera para germinar na sua torre.
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