A garça inusitada
[Crônica de 28 de setembro de 2009]
Dia frio, de inverno maluco, com névoa forte e muita umidade. Dia que dá vontade de não sair da cama. Passar o dia no quarto, enrolando feito croquete ou massa de pastel. Dia ideal para algum congressista sugerir acabar em pizza os resultados da apuração de mais um escândalo que não precisa ser apurado, porque é evidente.
De repente, ela entra no ângulo de visão. Inesperada, surge a sua esquerda, no voo longo, com as pernas para trás, formando um desenho estranho no contraponto da nuvem cinza encurtando o horizonte. Fora de tempo e do tempo, a garça corta o céu passando em cima da Ponte da Cidade Universitária, como se estivesse em pleno verão.
O frio parece que não a afeta e o dia cinza é apenas uma circunstância da vida. Para ela é indiferente. Tanto faz o frio e o cinza. Ela voa amplo, seguindo o rumo do rio, vinda de Santo Amaro em direção ao Tietê. Não tem lógica uma garça cruzar os céus de São Paulo. Não tem lógica existir garça na cidade de São Paulo.
No entanto, ela é real. Está lá. Não é miragem, nem ilusão. A garça voa por cima da ponte, às oito horas de uma manhã de inverno. Como este voo seria interpretado pelos adivinhos antigos é outra conversa.
Que leitura faria um druida, ou uma pitonisa grega ninguém sabe. Como não se sabe o que diria um faquir, um xamã, ou um curandeiro tupi.
Por outro lado, é melhor ficar na ignorância. Não saber, nem querer saber. Vai que o voo da garça seja mais que o voo de uma garça e traga escondidos sinais apocalípticos. Com certeza, é melhor não saber.
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