Mãe Preta
[Crônica de 22 de maio de 2009]
Uma das estátuas mais bonitas e mais malcuidadas da cidade fica no Largo do Paissandu, no centro velho de São Paulo. Grande, sólida, no alto de um maciço bloco de pedra, a estátua da Mãe Preta é comovente.
Pela beleza da própria estátua e pelo que representa em termos sociais. De confiança e entrega exatamente na direção oposta da tentativa de separar o Brasil em raças que não se misturam, como se nosso povo não fosse a feliz mistura de todas as raças, sem melhor, nem pior, do europeu ao ameríndio, do negro ao asiático, todos miscigenados num enorme cadinho chamado Brasil.
A imagem da Mãe Preta representa a firmeza de corpo e caráter da escrava negra que criava com o mesmo amor seus filhos e os filhos dos senhores, repartindo o seio e a bondade, o leite e o carinho, entre o filho do escravo e o filho do patrão, numa união que transcende a cor, e se materializa na confiança e no amor de duas mães que se respeitam.
Antes dela, ou dependendo da região, o mesmo leite vertia do seio da índia, mãe do mameluco tão importante na formação das populações meridionais do país.
A estátua está colocada no lugar mais apropriado para ela, entre todas as praças da cidade. O largo do Paissandu abriga a igreja de Nossa Senhora do Rosário da Irmandade dos Homens Pretos, os negros forros que habitavam a São Paulo colonial e que construíram sua igreja para marcar presença e dar dignidade a um povo escravizado e sofrido, sem o qual a nacionalidade brasileira não teria algumas de suas principais características.
De autoria de Júlio Guerra, com suas formas femininamente maciças, ela é sólida, digna e comovente.
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