Tem certos dias
[Crônica de 21 de março de 2002]
A maioria dos dias de São Paulo é medíocre. São dias sem nada de especial, exceto sua marca registrada, um cinza triste, que às vezes me faz lembrar do começo do desenho animado “Submarino Amarelo” e da música Eleanor Rigby, dos Beatles.
Tirando esse cinza típico, que varia de acordo com o tempo estar mais aberto, ou mais fechado, na média, os dias paulistanos não são emocionantes, nem se destacam por nenhuma particularidade especial.
O seu único grande momento, que também não acontece todos os dias, é o pôr do sol. O pôr do sol de São Paulo merece ser contado em prosa e verso e a grande contradição, ou seu paradoxo, é que o que o faz ser o que é a poluição.
Não fosse o veneno flutuando no ar, São Paulo não teria o pôr do sol deslumbrante que volta e meia vem alegrar a vida de quem está parado no trânsito, num fim de tarde exasperante, sem outra coisa para fazer a não ser não fazer nada.
Ver o céu ficar vermelho em tons diferentes, ganhando profundidade para os lados da Cidade Universitária é uma experiência que vale a pena. Toca e toca fundo, comovendo e alegrando quem tem a sorte de participar deste instante único, que não se repete nunca, mesmo o sol se pondo todos os dias.
Cada pôr do sol é único porque acontece de um jeito só seu.
Mas tem algumas manhãs, não importa em que época do ano, que o dia nasce de uma forma diferente. Lutando contra a poluição, o trânsito, o cinza e o mais que faz a maioria dos dias medíocres, estes dias conseguem começar com uma aura boa e luminosa que dá um ar resplandecente para a cidade, quebrando a agressividade da tristeza cinzenta que é a marca registrada da solidão de quem mora aqui.
Nestes dias mágicos o coração bate mais depressa e uma onda elétrica percorre nosso corpo, criando uma energia que se funde à energia do dia, para mudar a sua cara e o humor da cidade.
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