A noite triste
[Crônica de 9 de março de 2001]
É triste, mas a noite de São Paulo perdeu suas estrelas. Elas já não brilham pequenas sobre a cidade adormecida, nem sobre a cidade que não mais adormece e que brilha no seu canto da terra transmitindo para o cosmos os códigos secretos que contam para o universo que aqui – num planeta girando em volta de uma estrela de quinta grandeza – há vida.
As estrelas perderam seu palco, apagadas pelas luzes alucinantes que refletem a vaidade humana na crosta do planeta. Milhões de watts pulsam alucinados em milhões de lâmpadas de todos os tipos e cores a certeza das forças da natureza domadas para maior conforto na vida e maior glória do ser humano.
Enquanto isso, o céu chora suas poucas estrelas escondidas em cantos que ninguém vê, em rotas que ninguém conhece e que não balizam os rumos dos sertões da vida, nem ensinam como sair das matas onde nos embrenham nossas ilusões.
É nas noites do interior que as estrelas encontram de volta seu espaço. Nas noites escuras das fazendas escondidas em quebradas onde o ronco dos motores não chega e as luzes são poucas e fracas e incentivam o coaxar dos sapos e o voo dos curiangos.
Cada vez mais menos fazendas escondem em seus céus as estrelas que sempre enfeitaram a noite, incrustando suas pedras preciosas no manto escuro que nas cidades grandes fica dia a dia mais pobre.
É triste comparar a noite de São Paulo com as noites do interior. As noites das fazendas escondidas atrás dos morros onde as assombrações ainda se escondem em restos de mata onde algumas poucas árvores enormes velam os segredos do passado.
É triste ver a noite pobre de estrelas de São Paulo. Triste como uma noite sem estrelas; triste, como um poeta que perdeu o rumo de sua poesia.
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