Sobre a ordem das coisas
[Crônica de 22 de março de 2004]
Descobriram um novo planetoide no final do sistema solar. Menor que a lua, e mais preguiçoso, sua órbita em volta do sol demora milhares de anos. É uma informação importante. Afinal, o conhecimento do cosmos é fundamental para a felicidade dos povos e para o poder dos reis, que desde a antiguidade seguiam os astros para determinar os movimentos das tropas e as datas de casamento.
Por isso Assurbanipal e Nabucodonosor namoravam o céu; e os maias ergueram suas pirâmides e criaram seu calendário; e Julio Cortázar escreveu “Conversa de Observatório” para falar dos astros e do movimento das enguias, e dos mistérios que serão sempre mistério porque são muito maiores que nós.
Há de haver uma relação próxima e incompreendida entre o canto dos sabiás, a poesia que se despede nos aeroportos e o planetoide no fim do sistema solar. Há de haver, como com certeza há, entre o movimento das marés e ciclo das mulheres.
Mas que importam as razões que eu não compreendo se eu também não compreendo inteiramente por que te amo da forma como te amo, e mesmo assim te amo com a força da gravidade da terra atraindo a lua para obrigar as ondas contarem às praias os segredos das profundezas.
Será que em seu corpo gelado o último planetoide esconde os segredos do começo do universo? E se sim, será que esses segredos podem alterar os ritmos que se aproximam porque acreditam e confiam?
Será que seu núcleo endurecido pelos anos luz de solidão consegue entender o mistério de dar e receber? A química da troca dos fluidos e das sensações? Será que sem ele não haveria cumplicidade nem poesia no dia a dia do nosso amor?
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