Sabiás, ora os sabiás
Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá. As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. Ora direi ouvir sabiás. E eles entendem e capricham, soltam o canto, forte, sem medo, por todos os cantos de São Paulo.
Não sei se é impressão, ou se tem verdade científica, mas tenho a impressão de que ano a ano os sabiás estão estendendo sua temporada de cantorias. Afinal, estamos no fim do ano e eles seguem firmes e fortes, noite após noite, dia após dia, cantando como se não tivesse amanhã.
Diz a lenda que os sabiás são aves dos campos e das matas. Eram frequentes nas músicas caipiras, muito antes do sertanejo se impor como a música mais tocada do Brasil.
Depois, tomaram as cidades de assalto, perto deles as capivaras e os quero-queros são meros amadores, sem nenhuma capacidade de competição.
Sabiá é sabiá. Não tem para eles. Usam e desusam da cidade, como se o mundo fosse deles e as cidades meros pontos de alimentação.
Estou sendo injusto. Não é inveja, mas não é verdade que os sabiás desprezam a cidade. Ao contrário, é nela que fazem suas vidas. E só cantam de noite porque a iluminação dos postes os faz pensar que é um outro dia, menos brilhante, mas tão natural quanto o dia iluminado pelo sol.
Daqui a pouco os filhotões tomarão seus lugares. Aparecerão pela cidade, invadirão os jardins, piarão nos ninhos nas jabuticabeiras, e, sem saber, correrão sério risco de vida, presas fáceis dos cães e gatos espalhados pelas casas.
Se há 50 anos os pardais eram os donos dos céus urbanos, a cena mudou de cara. Hoje, quem manda são os sabiás. Eles sabem disso, por isso estufam o peito e fazem jeito de quem está entediado.
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