Aqui não é a Síria, é o Brasil
No final do tiroteio, duas horas depois, ao reabrir o bondinho do Pão de Açúcar, o turista chinês perguntou para o turista paraguaio: “Aqui é a Síria? Eu queria conhecer o Brasil”.
E o paraguaio respondeu: “Não, você está no lugar certo, você está na que já foi a Cidade Maravilhosa. Antes, de dia faltava água, de noite faltava luz, mas todo mundo sorria, a música era a melhor do mundo e a favela era favela, mas dava samba em vez de tiro”.
Agora, faz tempo, isso acabou. O Brasil mata 62 mil pessoas assassinadas, 43 mil em acidentes de trânsito e milhares de mulheres que se submetem a abortos clandestinos, todos os anos.
Nada que um político, assessorado por um mau juiz e milhares de funcionários públicos que sugam a nação, não consegue fazer rapidamente.
Não precisou 20 anos. A maré mudou e todo mundo fez de conta que estava tudo bem, que era uma marolinha sem importância, que a anta que nos governava não era bem uma anta, que seu mentor não era ladrão e que milhares de políticos de todos os partidos não estavam depenando a pátria, no bem bom da bandalheira que se espalhou por toda a sociedade.
O país está anestesiado. Chora os mortos nas travessias desesperadas do Mediterrâneo, mas não liga a mínima para os policiais assassinados, para as donas de casa assassinadas, para os trabalhadores assassinados, para as dezenas de milhares de jovens assassinados nas periferias.
Não está nem aí para os 40% de taxa de desemprego e ausência do Estado, que jogam os jovens no colo do crime. Quem sabe, o bondinho parado e o aeroporto Santos Dumont fechado por causa de um tiroteio na favela mudem isso. Se Deus quiser, vamos acordar para a realidade apavorante do nosso país. A mudança será lenta, mas tem que começar.