Existe poesia nas calçadas
As calçadas de São Paulo não se distinguem pela beleza. Nem pela limpeza. Nem pela conservação. Pelo contrário, são feias, sujas e esburacadas. Que o digam os deficientes físicos que encontram nelas verdadeiras inimigas, firmemente dispostas a derrubá-los.
Feitas sem padrão, sem desenho, sem harmonia, de acordo com a vontade e o gosto do proprietário do imóvel por que passam pela frente, cada uma é de um jeito, com degraus ou sem degraus, inteiriças ou vazadas, de pedra, concreto, ladrilhos, tijolos, ou o mais que passar na cabeça de alguém.
Com raras exceções, normalmente nas grandes avenidas, não existe padronização, nem bom senso.
Dependendo da rua, uma cadeira de rodas não passa porque tem um poste entre a rua e o muro que não lhe dá largura para passar.
Para não lembrar os degraus absurdos, alguns até hipoteticamente necessários, em função do desnível da rua.
Mas, com tudo isso, com tudo de feio, de desleixo, de sujeira, ainda assim, as calçadas têm poesia.
Uma poesia toda especial, feita de restos de vida atirados nela, sem cuidado ou educação. Bitucas de cigarro, papel amassado, latas de cerveja vazias, lembranças boas e ruins de momentos passados por gente que nunca se viu, mas que, somadas, compõem um quadro especial, um quebra-cabeças inusitado.
Para não falar nas flores que caem das árvores e por poucos dias tingem a calçada com tonalidades de sonho, imitando a vida, no ouro dos ipês ou no sangue das espatódias. E o que dizer das flores das paineiras cobrindo o feio e o cinza com o rosa de sua esperança