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A quaresma não é mais a mesma

 

Quando eu era criança, quaresma era quaresma. Sexta-feira se comia peixe porque não se podia comer carne.

Antes de eu ser criança, a quaresma era mais dura. Os sacrifícios se estendiam pelos quarenta dias entre o carnaval e a páscoa, como se o ser humano só alcançasse o paraíso sofrendo na carne um pouco do que Jesus sentiu na cruz.

É por isso que o carnaval sempre foi uma festa liberal e libertina, na qual as pessoas soltavam as fantasias. Valia tudo porque depois dele vinha a quaresma com a severidade cinza escura das tempestades de verão caindo o dia inteiro, durante quarenta dias, em cima da cabeça do povo.

Não tinha perdão. Na quaresma se jejuava, se faziam sacrifícios, as pessoas choravam, pediam a Deus mais dor e sofrimento porque era assim, segundo a igreja, que encontrariam as portas do paraíso abertas, garantindo lugar na eternidade, sentados ao lado de Deus.

Se a ideia era boa ou não é alguma coisa que jamais foi comprovada. Ninguém nunca voltou do outro lado, trazendo a resposta de como é a eternidade e se jejuar na quaresma ajuda ou não a ingressar no paraíso.

O fato concreto é que hoje ninguém espera o sábado de aleluia para voltar a rir, fazer festa, aproveitar a vida.

Não, o carnaval continua sendo carnaval, mas a quaresma perdeu muito da sua atratividade. Praticamente ninguém mais jejua, sofre ou comunga ao longo dos quarenta dias entre o carnaval e a páscoa.

Pelo contrário, tem gente inventando moda para esticar o carnaval quaresma a dentro, seguindo em frente com a festa profana como se o destino do mundo fosse dançar e pular 24 horas por dia, se possível o ano inteiro. Quem me dera que a vida fosse um eterno sábado de aleluia, uma festa sem fim. Se Deus quiser, um dia será…

Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

 

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.