A quaresma não é mais a mesma
Quando eu era criança, quaresma era quaresma. Sexta-feira se comia peixe porque não se podia comer carne.
Antes de eu ser criança, a quaresma era mais dura. Os sacrifícios se estendiam pelos quarenta dias entre o carnaval e a páscoa, como se o ser humano só alcançasse o paraíso sofrendo na carne um pouco do que Jesus sentiu na cruz.
É por isso que o carnaval sempre foi uma festa liberal e libertina, na qual as pessoas soltavam as fantasias. Valia tudo porque depois dele vinha a quaresma com a severidade cinza escura das tempestades de verão caindo o dia inteiro, durante quarenta dias, em cima da cabeça do povo.
Não tinha perdão. Na quaresma se jejuava, se faziam sacrifícios, as pessoas choravam, pediam a Deus mais dor e sofrimento porque era assim, segundo a igreja, que encontrariam as portas do paraíso abertas, garantindo lugar na eternidade, sentados ao lado de Deus.
Se a ideia era boa ou não é alguma coisa que jamais foi comprovada. Ninguém nunca voltou do outro lado, trazendo a resposta de como é a eternidade e se jejuar na quaresma ajuda ou não a ingressar no paraíso.
O fato concreto é que hoje ninguém espera o sábado de aleluia para voltar a rir, fazer festa, aproveitar a vida.
Não, o carnaval continua sendo carnaval, mas a quaresma perdeu muito da sua atratividade. Praticamente ninguém mais jejua, sofre ou comunga ao longo dos quarenta dias entre o carnaval e a páscoa.
Pelo contrário, tem gente inventando moda para esticar o carnaval quaresma a dentro, seguindo em frente com a festa profana como se o destino do mundo fosse dançar e pular 24 horas por dia, se possível o ano inteiro. Quem me dera que a vida fosse um eterno sábado de aleluia, uma festa sem fim. Se Deus quiser, um dia será…
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.