O chamado do trovão
Se o fogo me hipnotiza, a água me fascina. Sob todos os aspectos, sou um ser anfíbio, alguém que se sente bem dentro ou em contato com a água, seja doce, seja salgada, saindo do chuveiro, brincando na piscina, ou balançada pelas ondas do mar.
Eu gosto de água, da consistência da água, do seu contato com o corpo, da forma dos pingos escorrendo, como se estivessem vivos, pelo corpo arrepiado.
É por isso que cada vez que vejo uma tempestade, minha primeira vontade é sair de casa, abandonar as proteções, e deixar a chuva escorrer em cima de mim, me molhar, num encontro mágico onde os pingos explodindo na pele me revelam os segredos das nuvens e o que os anjos fazem detrás delas, quando descem do céu para brincar vendo os homens.
As grandes tempestades são hipnóticas. A fúria dos elementos soltos, passando como um deus enraivecido por cima da terra, tem o ritmo dos poemas épicos anunciando a chegada dos reis.
Primeiro é o aviso sibilante do vento. Depois o primeiro pingo e o segundo, e o terceiro, e todos os outros, que caem enviesados, puxados pelo vento, batendo de lado, como a bofetada na outra face.
E a tempestade despenca e fecha o horizonte. As distâncias ficam baças e próximas; o mundo se retrai, feito a vida de quem tem medo do mundo e por isso anda pelas ruas sem olhar pro lado, sem ver a vida acontecendo em volta.
A tempestade é a assinatura da natureza se impondo aos homens porque ela é a mais forte. É a mais completa expressão de liberdade e independência, multiplicada por mil.
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