A beleza e o veneno
A paineira carimba o céu com sua mancha rosa avermelhada, dando para o azul transparente um contraponto que o faz mais comprido, como se a estrada para o fim do universo saísse daqui, bem de cima da cabeça de quem mora em São Paulo, feito um enorme Peabiru, construído por Deus para glória dos anjos, plasmada na beleza da manhã de outono.
Cada quadro é mais bonito do que o outro. Cada cenário supera o outro. E do alto da ponte mal cuidada a vida surge plena, diante dos olhos de quem vai entrando na cidade.
O outro lado do rio é a distância mágica que separa duas realidades opostas, o trabalho e o lazer. A ponte é a chave que as liga, dando para as duas margens a medida da proximidade, unindo o útil ao agradável, sob um céu de filme de arte, onde cada possibilidade se faz mais visível, na transparência do céu que sobe até o último horizonte, aonde sonho e realidade se misturam numa massa densa, mas clara, dando a impressão de que do outro lado a vida evolui ao avesso.
A manhã de outono fascina e hipnotiza. Nela os horizontes curtos se alongam e a vista alcança longe, abrindo caminho entre prédios que parecem torres de castelos encantados, escondendo atrás de suas muralhas milhares de belas adormecidas.
Os dois lados do rio seguem até onde a visão acaba, encoberta pela distância que faz a terra parecer redonda. Cada um fala de chegadas e partidas, de encontros e descobertas, nos Eldorados arrancados das matas. Nas lagoas douradas criadas dentro de cada um.
É bom acordar cedo e sair de casa numa manhã assim. Até parece que a violência é só um pesadelo e que a cena não tem muito da poluição assassina que mata silenciosamente, como um câncer coletivo.
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