Os dois lados da chuva
A chuva chega seguindo o vento, que entra como se a casa fosse sua, como se a porta não tivesse tranca ou o cavalo de Tróia já estivesse dentro dos muros.
Chega sem pedir licença. Passa feito louco por entre os galhos apavorados, derruba os ninhos, as folhas das palmeiras, galhos, árvores inteiras.
Atrás, forte, batendo de lado, com pingos grossos, a chuva entra em cena explodindo nas vidraças, procurando caminhos entre as telhas sacudidas pelo vento, caindo dentro de casa pelo lustre da sala.
Rapidamente a rua se transforma em leito de rio e a água escorre farta, engrossada pela chuva que não para, pelos outros rios que chegam das ruas próximas e desaguam como os afluentes do Amazonas ou passa por debaixo dos portões, escorrendo dos quintais das casas.
Tanto faz. A chuva vem, entra de sola, arrasta o lixo da rua, entra e reflui pelos bueiros entupidos, se espalha e começa a subir nas calçadas, chegar perto dos portões, ameaçar entrar nas casas.
Nas cabeceiras dos rios, a água engrossa as nascentes, ganha corpo, inunda ao longo das margens até entrar nos reservatórios estrategicamente construídos para aproveitar ao máximo as águas do verão.
Pouca coisa é mais bela do que a força de uma tempestade correndo solta, com vento e chuva tomando conta da paisagem, apagando a paisagem no meio da densa cortina de água que o vento joga de encontro aos carros, às pessoas perdidas nas ruas, ao que estiver pela frente.
Pouca coisa é mais triste que os estragos deixados pela tempestade. O morro veio abaixo, as casas soterradas, os bombeiros procurando sobreviventes. Gente chorando, olhando os destroços do que foi seu lar, sem outro apoio que a repórter de TV pedindo para ficar mais de lado.
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