Mudança para pior
São Paulo, não faz muito tempo, era uma cidade mais humana e mais compassiva do que é hoje. Não que fosse amigável ou fácil. Nem que perdoasse o fracasso.
Não, São Paulo nunca perdoou o fracasso ou a falta de coragem para enfrentar seus desafios. Os que falham sempre foram devorados pela enorme esfinge, capaz de oferecer a recompensa mais rica e valiosa aos vencedores e o desprezo mais profundo aos que não chegam lá.
A cidade, nos últimos anos, ou nas últimas duas décadas, para ser mais exato, se desumanizou. Perdeu cenas inéditas, realidades fascinantes, possibilidades únicas, refletidas em momentos inusitados.
Eu me lembro, antes da ampliação da Marginal do Tietê, de uma grande área no meio das pistas, cercada com fita amarela e preta, certamente furtada da CET, com uma enorme placa na frente de um barraco, no meio de um pequeno canavial, com os dizeres: “Perigo. Proibida a entrada. Área particular”.
Também tinha quem construía praças. Gente que transformava terrenos baldios em áreas de lazer, com instalações de todos os tipos, mas principalmente brinquedos para as crianças.
E o que dizer de quem limpava as ruas ou pintava os muros ou plantava árvores nas mais variadas regiões?
Claro que a miséria existia, mas era muito menos agressiva. Podem dizer que a agressividade atual é importante porque expõe a ferida. É verdade, mas não é neste sentido que a miséria era menos agressiva.
Nos últimos 20 anos, além do Centro completamente deteriorado, outras áreas foram se degradando, a população perdeu a capacidade de rir, a pressa deu lugar à histeria e a vida ficou mais triste e mais cinza, da cor dos horizontes fechados pelos muros, nos dias sem luz anunciando chuva.