Feito café secando no terreiro
No final parece uma uva passa. Secou, enrugou em volta do caroço, envelheceu, mas não ficou doce, nem macia. Acabou e foi deixado de lado numa gaveta esquecida, ao contrário dos caroços que acabam no lixo.
Quem sabe a imagem dos grãos de café secando nos carreiros nos terreiros das fazendas dê uma ideia melhor.
O fruto é colocado em linhas, ainda úmido, recém-colhido, para secar no terreiro. Durante mais de cem anos essa foi a imagem da riqueza de São Paulo. O café alimentou a locomotiva do Brasil, de verdade e em sonhos. Alguns realizados, outros permaneceram apenas sonhos.
Quem sou eu para dizer o porquê das coisas, porque dá certo, porque dá errado, porque simplesmente acaba de uma forma ou de outra, por bem ou por mal, sem culpa ou com culpa, sem vontade, por tédio.
Acaba como os grãos de café vão perdendo a umidade, secando, ficando escuros e duros, no processo inexorável em que tem início a produção do líquido escuro que você toma em casa, nas lojas especializadas, pingado com leite nos botequins da vida.
A vida corre como os grãos secando. Um carreiro é diferente do outro, um funcionário é diferente do outro, o cuidado é diferente do outro, o tédio e a falta de interesse secam o grão sem maior atenção e o funcionário desatento não percebe quando um grão sai do carreiro, cai ao lado e, rolando para o ralo, se perdendo para sempre.
É assim porque é assim. Quem sou eu para saber as razões. Mal sei da vida o que a vida nos dá todos os dias. Não tenho ideia dos mistérios que fazem a alma secar ou os sentimentos se transformarem. Ou nem isso, apenas acabarem, murchos e enrugados feito uvas passas ou secos como os grãos de café nos terreiros da vida. É assim porque é assim. Às vezes é menos ainda.