Cadê?
Cadê as pessoas que transformavam terrenos baldios em praças? As que limpavam os córregos? As que criavam vida e davam alegria para zonas tristes e cinzas dessa cidade alucinada?
Cadê quem acredita que o dia pode nascer mais bonito? Quem assobia junto com os sabiás?
Cadê os poetas que arrancam das praças maltratadas flores pequenas para alegrar a rotina das babás?
Cadê as crianças brincando? Cadê a brincadeira de roda? O jogo do pião? Quem se lembra da época em que se pulava amarelinha?
O que aconteceu com tanta coisa que até ontem era legal e agora simplesmente sumiu?
A vida não para e o mundo não anda pra trás, mas cadê a beleza dos pores do sol, o tocar do sino às seis da tarde, a poesia do fotógrafo lambe-lambe conversando com o tirador de sorte, com o papagaio dormindo no poleiro em cima das fichas?
Será que tudo se resume a levar vantagem, a passar na frente, a cortar o caminho dos outros porque o legal é ser esperto?
Não tem mais lugar para placas de “proibida a entrada” num terreno na beira da Marginal, todo plantado com cana de açúcar e com um barraco no meio.
Quem sabe da beleza dos pardais no final de tarde? Do tico-tico ciscando no chão, das rolinhas que muita gente nem sabe o que são?
Não, não estou me queixando, nem comparando dois tempos diferentes. Não é isso. É apenas a constatação de que hoje não temos tempo para ver a vida. Para sentir a vida, para viver a vida.
A correria é tão louca e tão sem sentido que perdemos o sentido da vida e nos esquecemos de que ela foi feita para ser bem vivida.