O importante eram os felipes
Importante era encontrar os “felipes” escondidos nos montes escuros, formando carreiros espalhados lado a lado nos tijolos dos terreiros. Pelas suas características, os “felipes” tinham valor, como se fossem moedas que eu trocava por dinheiro com minha avó.
Quem cresceu perto dos terreiros das fazendas de café sabe o que é um ‘felipe”- o grão gêmeo, formado por dois frutos grudados um no outro, como irmão siameses.
A época de procurar “felipes” era agora, nas férias de inverno, quando o café é colhido e trazido para secar e passar por todo o processo que o transforma numa das bebidas mais consumidas no mundo.
Quando eu procurava “felipes” no terreiro da fazenda em Louveira, o Brasil era outro país. Havia poucos tratores e os carroções e carroças puxados por burros eram os responsáveis por diariamente trazer a colheita do cafezal para o terreiro, onde os grãos eram espalhados em longos carreiros para secar ao sol.
A maioria das fazendas tinha a tulha e, no máximo, um despolpador. As máquinas de beneficiar eram luxo das propriedades maiores. O fazendeiro comum levava o café para cooperativas ou o vendia ainda em grão para empresas cafeeiras, que beneficiavam, separavam e tipificavam o produto, na época, o grande ativo brasileiro.
Mas isso, naquele tempo, não me interessava. O que eu queria era encontrar o maior número de “felipes” para trocá-los por dinheiro com minha avó.
Às vezes os vendia para meu pai, mas era apenas para melhorar o preço. Minha compradora regular era minha avó Sara, que tomava os “felipes” nas mãos e os olhava atenta e ternamente, com seus olhos azuis, como se estivesse fazendo a compra mais importante de sua vida.