Viver é muito complicado
Viver é muito perigoso. A frase de Riobaldo Tatarana, em Grande Sertão Veredas, fala dos riscos no vasto mundo do norte de Minas Gerais, assombrado pelo Demônio em todas as suas formas e em todos os seus nomes.
Não há dúvida, viver é muito perigoso, em todas as partes desse mundo imenso, vigiado por satélites que sabem tudo, mas levam dias e dias para encontrar um avião desaparecido.
As ruas das grandes cidades são armadilhas, funis que se estreitam, jogando as pessoas no desconhecido, no que não poderia ser, mas é.
Tanto faz a cor do céu, tanto faz se é dia ou se é noite, agora está escuro no fundo da alma.
Não que a alma tenha nada com isso. Tem só na medida em que vive dentro de nós, como uma sombra que faz sombra para ela mesma e por isso embaça os olhos e tira o sorriso da boca.
Viver é muito perigoso. É mesmo. Mas o pior é que, pior do que mais do que perigoso, viver é muito complicado.
É complicado desde a hora que a gente acorda até a hora que vamos dormir. E é complicado no sono que não vem, no sonho que se transforma em pesadelo, no pesadelo que vira medo depois que acordamos, na madrugada que não acaba.
É complicado na hora de fazer a barba, quando pela primeira vez no dia nos olhamos no espelho. Nem sempre a primeira imagem é a mais bonita. Nem a segunda. Aliás, dependendo do dia, em nenhum momento ficamos bonitos.
Mas, se é complicado entre eu e eu mesmo, é muito mais complicado entre eu e você. Quantas e quantas vezes fica complicado porque eu não te entendo? E quantas vezes fica complicado porque você não me entende? Resumindo: viver é muito complicado.