Tem poesia na miséria
A menina saltando na calçada chama a atenção. Suja, mal vestida, descalça, ela corre de um lado para o outro, brinca, se diverte, como se a vida fosse só isso e suas roupas e sua sujeira não existissem ou fossem a moldura da felicidade.
Seus irmãos, primos ou amigos, pedem esmolas no trânsito parado. Correm para a rua cada vez que o sinal fecha.
Se colocam na frente dos carros com limões, laranjas, ou pedaços de pau e iniciam malabarismos mambembes, com pouco sucesso, que os obriga a se abaixarem constantemente para recuperar o objeto de trabalho.
Depois, com cara de anjos, se aproximam das janelas, mas mudam de expressão cada vez que não recebem a esmola pedida.
Enquanto isso, a menina continua pulando, correndo, brincando. A calçada é o jardim encantado onde a vida pega leve, e é possível brincar, em vez de pedir esmolas, feito seus companheiros.
Um deles, maior, vê a menina brincando. Se irrita, chega perto dela e a dá-lhe um tapão na cabeça.
A menina corre dele, chora, protege a cabeça com os braços finos e tenta mostrar indiferença, continuando a saltar na calçada.
Toma outro tapa, e outro. Ninguém sai de dentro dos automóveis. Ninguém a socorre. Os outros meninos continuam esmolando, indiferentes.
A menina para de brincar. Vai para a rua, se aproxima da janela de um carro. O motorista vira a cara. No carro seguinte o motorista faz que não com a mão. O outro sou eu. O que fazer? Dar esmola ou não. Dar é incentivar a menina a continuar na rua, não dar judiação. A resposta é sua.