O silêncio
É impressionante como o isolamento da população, aceito e seguido pela população, mudou a cidade. Em todos os sentidos: no ar, na cor, no cheiro, no trânsito, mas, acima de tudo, no barulho, ou melhor, no silêncio.
Me lembrei de uma experiência que fiz na casa de uma amiga há mais de quarenta anos. Num começo de noite, ligamos o gravador e deixamos no jardim por um bom tempo. Quando ouvimos o que tínhamos gravado, ficamos impressionados com o zumbido constante, às vezes cortado pelo ronco mais forte de uma motocicleta ou de um automóvel com o escapamento aberto.
Se há quarenta anos o zumbido já era alto, imagine nos dias atuais, com muito mais veículos trafegando, ou melhor, entupindo nossas ruas.
Aí veio a quarentena. O isolamento, que não é total, mas que a população aceitou como forma de combater o coronavírus, não porque vai nos fazer ganhar, mas para não estourar a capacidade de atendimento de nossa rede hospitalar.
É outra cidade! O silêncio fala de paz, de tranquilidade, de vida no interior, numa cidadezinha perdida no alto de uma serra. Na minha região, não falta nem o galo cantando de madrugada. Ou os macacos pulando nos galhos das tipuanas no canteiro central.
São Paulo está calma, parece que sem pressa, e o mais interessante é que pouca gente já se deu conta disso. Não sei se é melhor ou pior, sei que é diferente.
A cidade em que eu cresci mudou. O vírus a fez mudar porque obrigou seus habitantes a mudarem de ritmo, a ficarem em casa, até nas horas que nunca ficaram em casa.
Mais uma vez, é bom ou ruim? Não sei, não é isso que está em jogo. Não há competição. Há apenas a constatação de um silêncio que não existia.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.