Sonho e realidade
O que é sonho e o que é realidade, nesta vida alucinada, cada vez mais rápida, se perdendo diuturnamente na cidade grande?
Quem sabe se o ônibus passando em cima do carro é um pesadelo com a densidade de um nhoque ou uma batida de verdade?
Quem sabe se o marronzinho debaixo da chuva é real como os pingos caindo na cabeça da gente?
Quem sabe se cada assalto não é mais que os anjos brincando de pegador, sem perceberem que as balas matam?
Nada é o que parece na imensidão oceânica ocupando todo um planalto mais vasto que a baia de Santos, com rios correndo ao contrário, feito as correntes marinhas que no inverno mudam de direção.
Prédios e sombras se sucedem, se entrecruzam, se enganam e se escondem. Os carros passam por eles sem perceber, sem ver, ou entender que dentro das trevas escondidas por escuros corredores, há gente, meu Deus, há gente!
Sonâmbulos vagueiam seguindo o atavismo dos primeiros crentes atravessando o deserto, como se os passos de Moisés fossem possíveis de serem repetidos porque não sabe dos segredos da Cabala.
Cobras imensas se arrastam pelas ruas, eternamente ligadas pelos faróis acessos de milhares de veículos perseguindo o sonho de uma rua sem trânsito.
Nada, absolutamente nada é o que parece. Nem eu, nem você. Somos apenas os reflexos da luz solar nas águas escuras e sujas de um rio sem movimento. Aqui cabeceira e foz se confundem nas dez horas depois da novela. Choro e riso são apenas o que são, ainda que chegando fora de tempo. Na cidade grande o oposto do inverso é a única realidade.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.