Alguns dias de inverno
A rotina dos dias é fantástica. Mesmo parecidos, não há dois dias iguais. Podem ser no máximo semelhantes e, ainda assim, para você e não para mim, ou vice-versa.
Mas existem dias que são especiais, se não para todo mundo, para quase todo mundo. E alguns deles são dias de inverno, quer pelo frio de doer nos ossos, que mata passarinho nos galhos, quer pela transparência profunda que transforma o céu na possibilidade de todas as aventuras, acontecendo sempre pra lá do horizonte.
É curioso como minha memória distante tem muito mais cenas de inverno do que de qualquer outra época do ano. As mais marcantes são as manhãs com geada, nas férias de julho, quando eu descia para a colônia da fazenda para tomar café da manhã na casa do Nego, o cocheiro dos cavalos, e depois ir com ele trazer a tropa e preparar os animais para o passeio de todas as manhãs.
Até hoje o cheiro de pão sendo feito me leva de volta pra a casa no fim da colônia, onde a mãe dele todas as manhãs assava o grande pão italiano, que nós comíamos com manteiga ou queijo fresco feitos por ela, derretendo com o calor do pão.
Também tenho vivo no nariz o cheiro do café com leite servido cedinho nos acampamentos do CPOR. São lembranças que voltam sempre que eu sinto o cheiro de pão ou de café com leite.
Mas até hoje, além deles, tem dias de inverno que são mais do que especiais. Eles me abrem horizontes atemporais, onde o passado e o futuro se misturam numa viagem cósmica, que transcende a realidade e cria outra realidade, que dura o tempo de um arrepio, num raio de sol batendo no vidro do carro, no vento gelado passando pelo corpo, na noite que chega cedo, prometendo o calor de teu corpo até o dia seguinte.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.