Medo de gente
Uma cidade é uma força viva feita de gente. Milhares de pessoas somando suas vidas, a maioria sem saber que os outros existem, na luta diária do pão nosso para nossa família.
A imensa maioria dos habitantes de São Paulo passa pelo mundo como uma enorme mancha cinza. Toma elevadores, entra e saí dos ônibus, corre atrás do metrô, sem cara, sem rosto e sem nome, apenas corpos imitando os bonecos engraçados que os deuses usam para alegrar a monotonia eterna de suas tardes sem sentido.
Tão sem sentido quanto o dia de milhões de pessoas que correm porque lhes disseram que a vida é correr de um lado para o outro, de casa para o trabalho, do trabalho para casa, com direito a uma paradinha no boteco da esquina para brigar pelo futebol.
A cidade engole as individualidades. Poucos sabem muito pouco à respeito da vida de quem quer que seja. E, no entanto, quanta crítica, quanta inveja nos olhos que olham com medo a vida dos outros.
Os outros dão medo. Medo de olhar, de conversar, de dizer bom dia, andando na rua, perto de uma padaria na manhã ensolarada de um domingo qualquer, cheirando a pão fresco.
Bom dia, por quê? O que este sol e este azul e o cheiro deste pão fizeram para fazer este domingo diferente de todos os outros? O que eles fizeram para este dia ser especial e bom?
Não há nada de bom em te dizer bom dia num dia exatamente igual aos outros dias… Não? Será que não, mesmo?
Ah, o medo pânico das outras pessoas. Medo que faz até o amor se encolher, como se amar não fosse natural e beijar, e abraçar, e dizer versos com carinho no peito fosse muito feio.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.