O urubuporto
Enquanto máquinas maravilhosas voam pelo céu da cidade, decolando, pousando, cruzando a malha urbana com seus rotores barulhentos, um prosaico urubu descansa manso, como quem não quer nada na vida, num urubuporto improvisado no alto de um poste, na beira da ponte da Cidade Universitária.
Se avião tem aeroporto e helicóptero tem heliporto, por que urubu não pode ter urubuporto? Tem. Tem, usa e acha graça em ver o trânsito parado, encarapitado lá no alto, livre do martírio das ruas de São Paulo.
Urubu é bicho feio. Preto, de cabeça careca e enrugada. Mas não há nada mais belo do que urubu voando. A tranquilidade com que plana, cortando céu como um brigadeiro em estado de graça, leve, solto, dono do espaço e das manobras calmas de quem está em paz com Deus, faz do urubu no céu a materialização do espelho mágico que converte o sapo em príncipe e a bruxa em princesa.
Ele fica lindo, com as grandes asas abertas, e mais harmonioso que qualquer máquina criada pelo homem. Seu voo é um hino à capacidade de usar as correntes de ar, de se valer da natureza para conseguir com o mínimo de esforço o máximo de resultado.
No céu o urubu é imbatível. No chão ele é muito feio. E no alto do poste, senhor absoluto do urubuporto, ele é cômico.
Dá vontade de rir ver o urubu pousado em cima da luminária no alto do poste, como se estivesse em seu campo de pouso particular. Faz bem pra alma, saindo de casa dar com a grande ave negra olhando o mundo, tranquilamente se equilibrando num espaço pouco maior do que ela.
E faz pensar como, voando, pesado e grande, ele consegue calcular a aproximação tão bem que para seco, sem precisar pista para o pouso.
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