Ah, dizer as coisas

Aos poucos o mundo vai perdendo a capacidade de dizer as coisas. E é o mundo mesmo, porque o problema – que é um problema – afeta todos os povos, em todos os países, em todos os níveis. Cada vez mais, se diz menos, ou se diz pior, o que é pior ainda, porque ninguém entende direito o que o outro disse e a confusão aumenta ainda mais a capacidade de não dizer, que aumenta a confusão, num círculo vicioso infindável e dramático.

Ah, poder dizer com todas as letras o que tem que ser dito. O bom e o ruim, o fácil e o difícil. Não ficar dando voltas, não rodear o cerco, mas entrar de vez, e dizer olhando nos olhos, com as palavras escolhidas, o que vai na alma, ou vai no peito, ou vai na cabeça, ou seja lá aonde for, mas que é o que cabe na hora.

Poder estender mão e abri-la no gesto que segue as palavras de carinho. Fechar o rosto quando a hora for de ficar bravo, ou amuado, ou sentido. Rir, rir com vontade no instante que pede a gargalhada. Sorrir, a maior parte do tempo.

Não ter que fingir, não ter que esconder. Não ter vergonha, nem medo, mas soltar as amarras e atravessar as fronteiras da timidez, da falta de coragem, da hipocrisia que faz calar e quem cala consente.

Soltar o verbo como os sabiás nas madrugadas de primavera, como o curiango anunciando o começo da noite. Como a trombeta dos anjos explodindo no trovão que antecede as tempestades.

Dizer eu te amo, porque o amor é o sentimento mais belo e mais puro. Dizer eu te quero porque querer é bom.

Dizer eu não quero, porque não quer, e a hora é de não querer. Ah, fazer e dizer o que gente tem vontade, com a tranquilidade do dever cumprido.

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