A beleza que destrói
Existe pouca coisa mais bonita do que uma tempestade. Mais bonita e mais apavorante. Quando o mundo cai, no céu fechado que despeja as fúrias do inferno em cima da nossa cabeça, nos pingos grandes iluminados pelos relâmpagos que estouram nos raios, em distâncias cada vez mais perto, a fascinação pelo espetáculo nos deixa sem fala, como que hipnotizados, olhando o drama da natureza revolvida pelo vento que passa pelas árvores dobradas, pelas casas, arrancando telhados, batendo portas, assustando os cães e as pessoas, que se escondem nas salas, com medo do espetáculo.
A chegada da tempestade, ou o aviso de que ela vem, por si só, é um espetáculo único, deslumbrante, começando pelo céu mudando de cor, ficando cinza escuro nos horizontes que se fecham, como se o mundo encolhesse, para concentrar a raiva dos deuses que não são mais adorados, mostrando seu poder na ameaça pronta a se tornar realidade.
Em poucos minutos o quadro muda e o suspense deságua nos primeiros grandes pingos que caem, cada vez mais rápidos e mais densos, no meio da ventania que varre o chão, formando rodamoinhos onde os sacis pegam carona para fugir da tempestade iminente.
E ela cai. Cai com a violência do mundo nos primeiros dias, quando raios de fogo se espalhavam pelo cosmos, começando o universo que até hoje se expande, sempre mais pra longe, sempre mais pra longe, além donde os olhos alcançam e as revoluções cósmicas mudam os cenários, tapando os olhos dos telescópios.
Cai, como se o fim do mundo fosse uma certeza inexorável e por isto todos os demônios aproveitassem os últimos momentos, antes da chegada de Deus.
Cai, como só as tempestades caem. Indiferente, soberana, senhora do pedaço, para a vida e para a morte.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.