Você
Você tem luz própria. Por isso não posso compara-la com a lua cheia, nem mesmo com a mais bela, nem mesmo com a que eu vi a primeira vez que entrei de barco na baia de Angra dos Reis e que iluminava o mar mostrando aos homens os milhares caminhos de Iemanjá.
Luz própria é prerrogativa das estrelas e é um perigo muito grande mexer com elas porque a gente pode acabar se queimando na ilusão de seu fogo. As estrelas são assunto para os especialistas e mesmo eles só conseguem saber da sua distância e da intensidade do seu brilho. Você não é de primeira, nem de quinta grandeza, você é plena e isso faz a diferença e explica porque não posso compara-la a uma estrela.
Então, você é mata. Mata fechada, mata inconquistável pelo ferro ou pelo fogo, espaço misterioso que se abre apenas para quem aprende como percorre-lo, desvendar as trilhas, pressentir as barrocas, encontrar as fontes onde o limo escreve a história do tempo e o gosto da água remete à ideia do paraíso, ou melhor, às sensações do primeiro homem e da primeira mulher caminhando pelo paraíso.
Mata espessa, mata escura mas transparente, perfurada pelos raios do sol formando um código de luz escrito no ar, decifrando para quem souber absorve-la a ideia mais secreta de Deus.
Mata rica e boa, ancestral, com árvores imensas e troncos gigantescos e copas fechadas e cipós e samambaias. Cortada pelo relâmpago fulminante do voo de um pássaro. Acordada no meio da noite pelo urro de uma fera e pelo som de patas correndo em fuga desesperada.
Mata mistério, mãe de todos os mistérios que se curvam ao vento que varre sua vegetação, que expõe seus vales e seus segredos, que molha as clareiras e fecunda o solo com a chuva macho que se entranha em sua terra.
Mata, que é a essência da vida…
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