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A solidão definitiva

A cidade grande assusta. Assusta em qualquer lugar do mundo e pelos mesmos motivos. A cidade grande oprime e machuca, bate e não pede desculpas.

A vida na cidade grande é solitária. São milhões de pessoas que se cruzam todos os dias, sem uma palavra que não seja no máximo um mecânico bom dia, que não diz nada, nem compromete, nem marca.

Quantas e quantas pessoas que moram em prédios, descem nos elevadores, por anos a fio, sempre com os mesmos vizinhos, de quem elas não sabem o nome, nem o que fazem, nem de onde vêm, nem para onde vão?

É o retrato da vida na cidade grande. A vida cinza, embalada pelo medo que a cidade transmite na loucura da sua falta de cara, da sua falta de caráter, da sua falta de humanidade.

A cidade grande é um ente amorfo que esmaga seus moradores com complexos terríveis, com pânicos sem sentido, com vidas mal vividas e encontros que unem solidões.

O habitante da cidade grande tem medo. Medo de dizer oi, de estender a mão, de receber o carinho ou afeto de outra mão que se estende, disposta a dar ou a dividir, quem sabe um sonho, ou menos ainda, uma pequena alegria.

Poucos lugares são mais solitários do que as mesas dos bares da cidade.

Homens e mulheres se aglomeram, se apertam, se encontram, saem, se desnudam, apavorados em mostrar um pouco que seja da sua verdadeira natureza, da sua cara.

Os encontros não são mais do que a soma de duas solidões, que se enganam e se abraçam, mitigando a dor do outro com palavras e gestos que não dizem nada.

Os grandes sentimentos, amor, amizade, afeto, carinho, ficam quase sempre de fora e só entram por acaso, furando bloqueios terríveis, construídos em sessões de análise, que justificam, mas não resolvem.

Dentro deste quadro apavorante, onde os sentimentos bons ficam escondidos, surge uma nova arma, destinada a afastar ainda mais as pessoas.

Via internet é possível conversar com outros que não são outros, mas personagens criados atrás de apelidos que mudam a cada dia, ou menos ainda, formando retratos que não existem, mas que adquirem vida, e falam e agem como se fossem o que não são.

Nunca na longa história do homem sobre a terra o medo criou uma solidão tão grande.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.