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A mata da fazenda

Não há quem não tenha um piques. Um local que é mais do que um refúgio, para recarregar as baterias e enfrentar a vida, dando-nos de novo a força sem a qual seria impossível tocar em frente, abrindo caminho no cipoal fantástico em que transformaram o mundo.

Durante anos e anos este lugar para mim foi a mata da fazenda. Local protegido por deuses e duendes encantados, dentro da mata eu me sentia a salvo de todos os perigos, capaz de reencontrar a calma indispensável para alma e para o corpo.

Lá, os problemas deixavam de ser problemas. Como se o vale abruto onde ela crescia servisse de proteção contra as coisas ruins que me afligiam, impedindo-as de descerem suas pirambeiras a pique, a mata da fazenda me recebia e me envolvia em sua umidade e em sua vida, modificando a minha natureza humana, fazendo-me parte dela, um pouco vegetal, um pouco animal, e com a sensibilidade de entender as pedras e águas que escorriam por elas, saindo da terra numa nascente recoberta de musgo, onde eu matava a sede e ficava me refrescando no verão.

A mata da fazenda era minha amiga. Mais do que amiga, a mata da fazenda era minha cúmplice. Ela sabia tudo o que eu fazia, e o que eu pensava, através de um diálogo sem palavras que nós mantínhamos permanentemente, todas as vezes que eu corria atrás da sua proteção.

Quantas e quantas vezes eu subi o morro que levava a ela, desesperançado ou triste, para voltar, algumas horas depois, rindo e achando graça na vida?

Quantas e quantas vezes a mata me viu chorar e entendeu o meu choro, esperando a hora certa para me dar a sua paz e a sua seiva.

A mata sabia da minha alma, dos meus anseios e dos meus medos humanos. E ela me aconselhava e me mostrava o melhor caminho.

Também quantas vezes eu corri para ela simplesmente porque estava com vontade de me jogar em seu chão, de sentir o seu cheiro, de respirar o seu ar?

Porque estava com vontade de sentir o vento por entre as suas árvores e ouvir os seus ruídos, vindos dos lugares mais inesperados.

Poder ficar deitado em seu humos, sentindo as costas amassar as folhas e os galhos velhos, enquanto o sol entrava por entre seus galhos, abrindo trilhas no ar.

Mas mais do que tudo, entrar na mata de noite. Sentir a vida noturna circulando em volta, com um cigarro de palha para espantar os mosquitos.

Até hoje a mata da fazenda está gravada no mais fundo da minha alma, só que eu não entro mais nela.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.