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O sono da Paula

Alguma coisa estava errada e ela não sabia o que era. Ainda dormindo, num sábado de manhã, o seu sono tinha algo diferente dos outros dias, especialmente dos outros sábados, quando ela acordava num pulo, assustada pelo barulho infernal dos tratores cavoucando a rua bem na porta da sua casa.

Naquele dia parecia que ela estava dormindo mais e melhor, como se a antiga vila houvesse ressuscitado e ainda fosse um lugar tranquilo, perdido nos fundos de onde um dia deveria passar a continuação da faria lima. Agora, da vila calma, com a calçada lavada diariamente, sobram as quinze casas que ficavam do lado de lá, e que, de repente, com a abertura da avenida, ficaram do lado de cá, olhando de frente para a rua e sendo olhadas de fora para dentro pelos operários encarregados das máquinas enormes que transformam a terra revolvida no leito múltiplo de mais uma obra grandiosa.

Naquele sábado algo havia se quebrado na rotina desesperada que impedia o sono dos justos nas manhãs de sábado. Ela não sabia o que era, mas sentia que era algo bom, algo que espantava o pesadelo do barulho das máquinas que não a deixavam dormir sabe deus há quantos meses.

Finalmente ela acordou. Olhou para o relógio e não acreditou. Era tarde. Muito tarde para os padrões pós-obras, e, no entanto, o silêncio que vinha de fora falava de uma rotina interrompida inesperadamente e que por isso lhe parecia estranha. Andar pela casa sem ouvir o som agressivo dos tratores tinha um toque de magia, de conto de fadas, que, ao mesmo tempo, reconfortava e amedrontava, como as histórias de bruxa que ela ouvia quando era pequena.

O adiantado da hora lhe dizia que as máquinas não trabalhariam mais naquele dia. O sábado voltara a ser o sábado. As velhas rotinas retomavam o seu lugar, deslocando a agressividade da vida urbana para longe, quem sabe para Tóquio ou para a Cidade do México.

São Paulo, no silêncio das máquinas paradas, reencontrava o seu passado de cidade pequena e ela sonhou que poderia dormir, daquele sábado em diante, todos os sábados do seu futuro, eternamente, leve e calma, como quando a vila era um refúgio de paz na loucura da cidade.

E a semana passou. Na sexta-feira ela foi dormir tranquila. O dia seguinte seria um dia longo, onde o seu sono lhe traria sonhos bons, até tarde da manhã.
Deitou-se e dormiu…para acordar às sete da manhã com o urro alucinado de uma escavadeira furando bem em frente da sua porta.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.